Aberratio
ictus, em Direito penal, significa
erro na execução ou erro por acidente. Quero atingir uma pessoa ("A")
e acabo matando outra ("B"). A leitura do art. 73 do Código Penal
("Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente,
ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa,
responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao
disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a
pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste
Código") nos conduz à conclusão de que existem duas espécies de aberratio
ictus: (1) em sentido estrito e (2) em sentido amplo.
Na
primeira a pessoa pretendida não é atingida; só se atinge um terceiro (ou
terceiras pessoas). Na segunda (em sentido amplo) a pessoa pretendida é
atingida e também se ofende uma terceira (ou terceiras) pessoa (s).
Como
se vê, na aberratio ictus (qualquer que seja a hipótese) há sempre uma
relação pessoa-pessoa (leia-se: o agente pretendia atacar uma pessoa e
por acidente ou por erro na execução atinge pessoa diversa; ou atinge a pessoa
que queria assim como uma terceira). A relação se dá sempre entre seres
humanos. Quando se trata da relação coisa-pessoa o instituto muda de nome:
chama-se aberratio criminis (art. 74 do CP).
1’)
Da aberratio ictus em sentido estrito: observa-se aqui a teoria
da equivalência, ou seja, a pessoa efetivamente atingida equivale à pessoa
pretendida. Há duas sub-espécies de aberratio ictus em sentido estrito:
(a) por erro na execução e (b) por acidente.
a)
Erro na execução: na aberratio ictus (em sentido estrito) por
erro na execução a pessoa pretendida está presente no local dos fatos, mas não
é atingida. O agente (que quer matar "A" e acaba matando
"B") responde pelo crime normalmente, porque a pessoa atingida se
equivale à pessoa pretendida (teoria da equivalência).
Crime
único: considerando-se que só um
terceiro foi atingido (a pessoa pretendida não foi alcançada), só se pode falar
(aqui) em crime único, isto é, há um só crime: "A" disparou contra
"B", errou e matou "C". Uma só pessoa foi atingida. Há um
só crime (homicídio consumado). Para o CP, nesse caso, devemos desconsiderar a
pessoa pretendida.
Ademais,
para o efeito da pena, é como se tivesse atingido a pessoa que queria
(CP, art. 20, § 3º). Exemplo: "A" queria matar seu próprio pai, errou
e matou um vizinho: responde pela agravante prevista no art. 61, I,
"e" (como se tivesse matado o pai).
E
se o agente queria matar Antonio, errou e matou João. Disparou novamente contra
Antonio e mais uma vez errou, matando Joaquim. Quid iuris? Há nessa
situação dois homicídios dolosos autônomos, porém, em continuação (dois crimes
continuados).
Diferença
entre aberratio ictus por erro na execução e error in personae: no erro sobre pessoa (exemplo da favela em São Paulo
em que um traficante queria matar um policial e acabou matando um padre, por
equívoco) há um erro de representação (o agente representa mal, equivoca-se
sobre a pessoa da vítima). Na aberratio ictus por erro de execução o que
existe é inabilidade na execução. O sujeito representa bem a situação, veja com
clareza a pessoa pretendida, não se equivoca sobre a pessoa que se deseja
alcançar, mas erra nos meios de execução. Outra diferença importante: na aberratio
ictus por erro na execução a vítima visada está presente e é em razão do
erro do agente que outra pessoa é atingida. No erro sobre pessoa a
vítima pretendida não está presente no local e momento dos fatos.
Concomitância
dos dois erros: é perfeitamente
possível. Pode haver erro de representação assim como erro na execução ao mesmo
tempo.
b)
Erro por acidente: na aberratio ictus (em sentido estrito) por
acidente a pessoa pretendida também não é atingida, mas, diferentemente da aberratio
ictus por erro na execução, a pessoa visada pode estar ou não presente no
local dos fatos. A mulher pretendia matar o marido e colocou veneno na marmita,
mas foram seus filhos que acabaram morrendo, por terem ingerido a refeição.
Aberratio
ictus por acidente e error in personae: neste
último, como vimos, há um erro de representação (o sujeito representa mal a
realidade); no primeiro não existe erro de representação, sim, um acidente, ou
seja, a vítima visada não é atingida por um acidente.
2’)
"Aberratio ictus" em sentido amplo: ocorre quando também é
atingida a pessoa que o agente pretendia ofender. Ele atinge quem queria
("A") e, além disso, também um terceiro ("B") (ou
terceiros). Esse terceiro (ou terceiros) é atingido (ou são atingidos) por erro
na execução ou por acidente. O agente, com uma só conduta, atinge duas pessoas:
uma ele queria alcançar ("A"); a outra ("B") foi atingida
por acidente ou por erro na execução. Isso se chama aberratio ictus em
sentido amplo ou com resultado duplo.
A
responsabilidade penal nesse caso é dupla: o agente responde por crime doloso
em relação a quem o agente queria atingir bem como por crime culposo quanto ao
terceiro que também foi afetado.
Se
o agente mata as duas pessoas temos: um crime doloso e outro culposo, em
concurso formal (CP, art. 70). Queria matar Antonio e o matou (homicídio
doloso). Não queria matar João, mas o matou (por acidente ou erro na execução).
Um crime doloso e outro culposo, em concurso formal. Aliás, concurso perfeito
(porque não havia desígnios autônomos em relação às duas mortes).
E
se o agente tentou matar Antonio e matou João: tentativa de homicídio doloso +
homicídio culposo. E se o agente matou Antonio e João não morreu: homicídio
consumado doloso + lesão corporal culposa. Sempre há um concurso formal. E se
tentou matar Antonio e João, embora também atingido, não morreu: tentativa de
homicídio doloso + lesão corporal culposa.
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